O francês Axel Bouley, cofundador da France Panificação, carrega nas mãos e na cabeça o elo entre dois mundos: o da agricultura e o da mesa. No episódio do Massa Madre Talks, ele conta como sua trajetória une ciência, mercado e paixão — e como o pão, no fim, continua sendo um trabalho de gente viva.
O engenheiro que se apaixonou pelo trigo
Axel não começou como padeiro. Formado em engenharia agroalimentar pela tradicional escola de moagem e indústrias de cereais de Paris, ele descobriu cedo o fascínio por entender o que há por trás do alimento. Passou pelos bastidores da Soufflet, um dos maiores grupos de moagem da Europa, onde mergulhou na compra de trigo e nas dinâmicas do mercado agrícola.
Ali, percebeu que o trigo é mais do que uma commodity — é um organismo que responde ao clima, ao solo e às escolhas humanas. “O moinho é uma tecnologia com propósito”, ele diz. “Cada mistura de trigo, cada ajuste de moagem muda completamente o resultado no pão.”
Ciência que pouca gente vê
Na conversa com o apresentador Mateus Grecco, Axel expõe o que muitos consumidores e até padeiros esquecem: por trás de cada pão, há ciência, agricultura e história.
Ele relembra o papel da fermentação na evolução do pão europeu, do encontro entre romanos e gauleses até a descoberta da levedura moderna. Explica que a fermentação é tempo, temperatura e vida — e que a França, com seu clima e terroir, desenvolveu uma tradição que equilibra técnica e sensibilidade.
Mas o ponto alto vem quando Axel defende o trigo brasileiro. “Dizem que nossas farinhas são fracas. Errado. Os trigos brasileiros são fortes, naturais e concentrados em proteína. O que falta é extensibilidade — e isso se aprende com processo e moagem.”
Ele lembra que não existe farinha ruim, mas sim farinha mal aplicada: “Cada farinha tem seu processo e seu produto certo. Usar a farinha de croissant para fazer baguete é como querer correr uma maratona de salto alto.”
France Panificação: o encontro de dois mundos
A história de Axel com o Brasil começou por acaso. Uma feira internacional o aproximou de padeiros brasileiros — e da ideia de criar uma empresa que unisse insumos franceses e formação local. Em 2014, nascia a France Panificação, trazendo farinhas Fourichard, utensílios SkyTech e Panibois, e um propósito claro: formar padeiros e elevar o padrão da panificação nacional.
Logo veio o Atelier du Boulanger, escola que virou referência no país. Axel conta que o objetivo inicial era simples: ensinar técnica com método francês. Mas o que nasceu como escola virou algo maior — um centro de cultura do pão. “Não formamos só padeiros, formamos pessoas que entendem o processo”, diz.
Para ele, a panificação é um elevador social. “Na França, um aprendiz pode virar dono de padaria. No Brasil, isso também é possível — basta formação e estrutura.”
Formação: do glamour à realidade
Axel quebra mitos com franqueza. “Padeiro não vive de glamour. É um trabalho duro, físico, mas recompensador. O reconhecimento está no pão saindo do forno e no cliente sorrindo.”
Ele conta que, ao tentar formar jovens para o mercado, enfrentou decepções: muitos queriam ser “consultores” antes de dominar o ofício. A virada veio quando o Atelier começou a formar padeiros dentro da produção real, à noite, nas próprias lojas.
O método deu certo: alunos transformaram-se em profissionais e até sócios de padarias. “Quando o jovem entende o valor do pão, ele descobre um ofício que pode mudar sua vida.”
O futuro do pão no Brasil
Hoje, o desafio que Axel enxerga não é técnico, mas geracional. “Precisamos motivar os jovens a entrar nesse ramo. É um trabalho vivo, que dá orgulho e futuro.”
Ele acredita que o pão é mais do que alimento — é cultura, proximidade e cotidiano. “Uma padaria vive de quem vai todos os dias, não de quem faz uma visita por mês. O bom pão é o que está perto, fresco e feito com paixão.”
Com mais de 24 mil padarias abertas no Brasil só em 2025, Axel vê potencial e responsabilidade: “Se queremos crescer, temos que crescer com qualidade.”
Baguete, método e humildade
Os próximos passos da França Panificação incluem o Concurso da Melhor Baguete do Brasil, inspirado no prêmio francês reconhecido pela UNESCO. A ideia é simples: usar a baguete como instrumento de formação e melhoria. “Quanto melhor for o pão, melhor será o mercado inteiro.”
Axel encerra com uma lição que resume sua filosofia:
“A gente não fala de receita, fala de processo. Porque o pão não é fórmula — é entendimento. É tocar a massa e sentir se ela está pronta. O padeiro trabalha com o vivo.”
Assista ao episódio completo no Massa Madre Talks e descubra a ciência, o propósito e a alma por trás do pão francês — e do pão brasileiro.