Opinião
Para melhorar a panificação brasileira é preciso melhorar o pão do dia-a-dia
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As padarias tradicionais já perceberam essa tendência artesanal e começaram a oferecer alguns pães “rústicos” no seu mix; a indústria de insumos também já oferece produtos que dão “pães com sabor artesanal de maneira simples e rápida”.
Os pães artesanais, ao que parece, vieram para ficar. Cada dia vejo novos negócios abrindo e padeiros amadores fazendo lindíssimos pães em casa – a casa normalmente é a incubadora desses novos empreendimentos. O pão artesanal tem alguns ‘poréns’; é mais caro e demorado para produzir, tem formas, texturas e sabores muito distintos dos pães que crescemos comendo aqui no Brasil, e principalmente se elaborado com matéria prima importada, tem um preço final proibitivo para um grande grupo de pessoas. Isso me leva a crer que o mercado para pães artesanais no Brasil é um mercado de nicho.
As padarias tradicionais já perceberam essa tendência artesanal e começaram a oferecer alguns pães “rústicos” no seu mix; a indústria de insumos também já oferece produtos que dão “pães com sabor artesanal de maneira simples e rápida”. Os pães resultantes são de fato fáceis e rápidos de fazer, mas perdem feio para pães artesanais elaborados de maneira correta. Nesse meio tempo, o “pão francês” do dia-a-dia acaba esquecido.
O “pão francês”, que não tem relação alguma com pães produzidos na França, normalmente é feito com pré-misturas ou quantidades liberais de melhoradores, massa hiper-oxidada pelo longo tempo de batimento, baixa hidratação para poder ser modelado em equipamentos antiquados, sal em excesso para disfarçar a falta de sabor decorrente da oxidação excessiva, e, finalmente, ausência total de fermentação primária em bloco; a massa finalizada passa por um pequeno “descanso” de alguns minutos e é dividida e modelada. O resultado final é um pão com um shelf life baixíssimo, de difícil digestão e bastante pobre nutricionalmente. Não estou aqui dizendo que todas as padarias tradicionais brasileiras produzem pães dessa maneira, mas é bem mais fácil encontrar maus exemplos do que bons.
Será que é tão difícil estabelecer uma rotina de produção de “pão francês” que resulte em um produto um pouco melhor? Evitar oxidação da massa, implementar fermentações primárias de pelo menos 45 minutos para massas que tenham pré-fermento, 1h30 para massas sem pré-fermento, menor quantidade de sal (1,8% do peso de farinha). Poderíamos opcionalmente adicionar um pouco de gérmen de trigo tostado para sabor e melhora do valor nutricional. Caso houvesse necessidade de reforço ou correção de cor, ainda seria possível usar pequenas quantidades de ácido ascórbico e extrato de malte sem prejudicar o sabor do pão. Creio que teríamos ainda um produto acessível e de melhor qualidade
Outro ponto importante é a nossa cadeia de distribuição truncada. Como padeiros domésticos, artesanais ou industriais, não sabemos de onde vem o trigo que usamos. Sabemos apenas que os moinhos brasileiros utilizam trigo nacional e importado, e só. Obter um laudo técnico de alguma farinha também pode ser dificultoso, pois muitos moinhos acreditam que esses dados são “segredo industrial”. Nossos moinhos parecem mais interessados em vender pré-misturas do que farinhas, mesmo para os clientes domésticos, que em um supermercado tem acesso a uma gama enorme de misturas para os mais diversos pães, mas praticamente nada em termos de farinhas de trigo com características diferentes, como por exemplo, grau ou método de extração. A própria rotulagem é extremamente vaga, ficando em tipo (1 ou 2) e uma informação nutricional que parece sempre a mesma de marca para marca. As farinhas integrais merecem um texto à parte…
Eu acredito que a panificação brasileira tem totais condições de evoluir e essa evolução passa obrigatoriamente pela melhoria do pão básico e uma maior integração da cadeia produtiva, para termos um produto com origem, valor nutricional e digestibilidade.
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