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A camisa do Javier
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Na última Fispal tive a oportunidade de trabalhar no mesmo stand que o Mestre “Panadero” Javier Vara. Além de toda sua sabedoria de 5 gerações de “panaderos” espanhóis, uma coisa me chamou particularmente a atenção...a camisa que ele e sua esposa usavam com a inscrição “#PÃO HONESTO”.
Na última Fispal tive a oportunidade de trabalhar no mesmo stand que o Mestre “Panadero” Javier Vara. Além de toda sua sabedoria de 5 gerações de “panaderos” espanhóis, uma coisa me chamou particularmente a atenção…a camisa que ele e sua esposa usavam com a inscrição “#PÃO HONESTO”. Estava ali, sintetizado em uma camisa, tudo o que venho lendo e pensando nos últimos 2 anos. A falta de honestidade da indústria alimentícia… para ser mais exato, o mar de desonestidade em que uma boa parte da panificação brasileira está navegando…ou afundando!
Em 1991, o governo federal deixou de incentivar o plantio de trigo no Brasil, desviando esses recursos para a soja transgênica (mais lucrativa). Com isso, o que já era difícil ficou impossível. Um produto básico e que poderia estar sendo produzido com uma qualidade, razoável, no sul do país. E foi descoberto recentemente pela EMBRAPA, que a região Centro-Oeste tem potencial para produzir um grão melhor que o argentino, porém, 70% do trigo para a panificação no Brasil atualmente é importado. E mais, se não bastasse isso, o nosso trigo é uma commodity?!? Explico, commodities são produtos de origem primária na bolsa de valores e que não são classificados de acordo com quem os produziu ou por sua origem…são de qualidades diversas … trigo é trigo e ponto final (no nosso caso nos sobra o pior do trigo argentino). Para quem entende um pouco de farinha já entendeu o que estou querendo dizer…
E para completar a equação sombria, somos vítimas de leis absurdas aprovadas por uma bancada ruralista que é maioria no congresso…resumindo, quem está ditando as regras é justamente quem lucra com elas!!! Por exemplo, a lei permite que a farinha contenha aditivos que podem ser declarados nos rótulos apenas como “melhoradores de farinha”.
Para encurtar a conversa, segue a lista dos melhoradores de farinha permitidos pela ANVISA e autorizados como “boas práticas de fabricação” (BPF) no Mercosul, segundo a RDC 60 de 5 de setembro de 2007:
Melhoradores de Farinha
(“pioradores” da sua saúde)
Com limite de 0,04 gramas por Kg de farinha
– Azodicarbonamida
Com limite de 0,05 gramas por Kg de farinha
– Dióxido de enxofre, anidrido sulfuroso, sulfito de sódio, bissulfito de sódio, metabissulfito de sódio, metabissulfito de potássio, sulfito de potássio, sulfito de cálcio, bissulfito de cálcio, sulfito de ácido de cálcio, bissulfito de potássio.
Com limite de 0,06 gramas por Kg de farinha
– Peróxido de benzoíla
Com limite de 0,09 gramas por Kg de farinha
– Cloridrato de L-cisteína
Com limite de 1,4 gramas por Kg de farinha
– Fosfato monocálcico, fosfato monobásico de cálcio, ortofosfato monocálcico, fosfato dicálcico, fosfato dibásico de cálcio, ortofosfato dicálcico, fosfato tricálcico, fosfato tribásico de cálcio, ortofosfato tricálcico.
Com limite de 1,5 gramas por Kg de farinha
– Fosfato de amônio monobásico, monoamônio monofosfato, fosfato de amônio dibásico.
PS: Além desses são ainda permitidos o ácido ascórbico, o Lactato de Cálcio, o Sulfato de Cálcio e o Óxido de Cálcio.
Na visita ao site da ANVISA, três coisas me chamaram particularmente a atenção:
– A quantidade de “melhorador” muito pequena permitida, no máximo de 1,5 gramas por quilo de farinha (não devem ser tão saudáveis assim)
– O nome de nenhum deles nos lembra alimento.
– Por diversas vezes no site aparece a recomendação para os produtores ficarem atentos sobre o uso do Bromato de Potássio, que é proibido na maior parte do mundo e aqui no país desde 1970, e que em 2001 uma lei federal tornou seu uso crime hediondo!
Durante a minha pesquisa, diversas vezes vinha na minha mente a imagem da camiseta do Javier. Como fazer um pão honesto partindo desse cenário? Como pensar em honestidade quando 90% das padarias e pizzarias no Brasil usam pré-mistura? Usam melhoradores de farinha?
Ora bolas, se a farinha fosse boa não precisaria ser melhorada?! Se o processo fosse respeitoso e honesto não precisaria de melhorador mesmo.
Já vi diversas vezes, padarias onde usa-se pré-mistura (que já contém melhoradores) e mesmo assim acrescentar mais melhorador de farinha ao bater a massa. Quantas vezes você comprou um pão que saiu do forno quentinho e cheiroso, e que após algumas horas esse mesmo pão está intragável. Esfarela na mão! Coincidência ou não, esfarelar é uma das características do bromato.
Não sejamos inocentes vivemos no país em que alguns misturam papelão na salsicha. Não pense que algo parecido não acontece em outros ramos da alimentação. Um bom exemplo é no seu pão!
Ultimamente o que mais vejo nas feiras da área de alimentação são promessas de produtos mais baratos, preparações mais rápidas e eliminação de etapas que beiram a magia. E na grande maioria das vezes o produto final perde em qualidade, e temos resultados nada saudáveis para o consumidor.
E antes, que me ataquem pedras e me acusem de querer desqualificar o produto nacional em benefício da farinha italiana ou francesa, aproveito para enaltecer uma minoria honesta, que está produzindo pão honesto, com farinha brasileira honesta, e até orgânica. E felizmente é uma minoria que cresce a cada dia e contagia o seu entorno.
Felizmente, hoje é crescente o número de padarias e padeiros imbuídos na missão de resgatar processos milenares que começaram a ser descartados pela grande indústria em meados do século XX.
Nunca é demais lembrar que a humanidade come pão fermentado desde o Egito Antigo (cerca de 6 mil anos atrás), quando o pão era feito de farinha, água, sal e TEMPO!
Maldita hora em que o homem passou a acreditar que tempo é dinheiro…
Vida longa à camisa do Javier!!!
E para terminar deixo uma sugestão aos padeiros e empresários do ramo da panificação. Informem-se! É possível trabalhar com honestidade, com respeito, mas para isso, é preciso resgatar as tradições e a partir delas fazer seu pão de qualidade, saboroso e lucrativo. Vale ressaltar que olhar para trás, é voltar na história, e isso é fundamental, mais do que nunca, enaltece e respeita os processos, as técnicas e o principalmente o tempo.
E que o nosso pão cresça, tenha crosta, e seja cada vez mais… #PÃOHONESTO !
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