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Meu negócio não é pão: é gente!
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Conheça a história da Cheiro de Pão, criada pelo Chef Brunno Malheiros, que transformou seu negócio ao colocar as pessoas em primeiro lugar.
Nasci em Fortaleza (CE) e com três meses fui morar em Ribeirão Preto (SP), por meu pai ser médico ortopedista e foi fazer residência lá. Mas, eu nunca tive pretensão com medicina, meu pai não fazia questão de que gente fosse seguir. Ele queria que a gente fizesse o melhor no que se propusesse.
Meus avós paternos, pais dele, também são médicos. E, do lado de minha mãe, meu avô tem uma padaria, é comerciante. Baiano, de origem humilde, foi bater em São Paulo e, como ele mesmo diz, passou o cavalo selado, ele subiu e foi. E foi próspero no negócio dele, atendia em três turnos.
Porém, devido a uma alergia, precisava morar em um lugar quente e escolheu Fortaleza como destino. Em São Paulo, o negócio do meu avô era padaria industrial e ele atendia grandes empresas, como GM e Volkswagen. Indo para Fortaleza, apostou em um novo modelo de padaria com loja, embutidos, mercearia, açougue. E teve muito sucesso. Está bombando até hoje!
Quando nasci, a padaria dele já existia, eu a via funcionando. Ficava na mesa da telefonista, no escritório, riscando papel, desenhando, comendo pastel de queijo com Coca-Cola. Lembro até hoje o nome da telefonista: Joana. E eu ficava olhando aquele monte de máquina, a farinha, achava o máximo a figura do meu avô. Eu o admirava. Ele era uma águia, fora da curva.
Mas o tempo passou, eu estudei. Veio o vestibular, eu com 17 anos e era aquela dificuldade. Aquela coisa de ter que aos 17 anos escolher o que ser para o resto da vida.
Na minha cabeça, vinham as opções engenharia ou administração. No último ano do ensino médio, eu queria fazer administração. Passei para a Universidade Federal do Ceará (UFC), ganhei um carro e, no segundo ano da faculdade, fiz uma disciplina chamada “Administração da Produção”, que falava de gargalo produtivo e desenho industrial. Então pedi um estágio na padaria do meu avô. Ele aceitou, mas disse que eu tinha que passar por outras áreas da empresa. Então eu recebia mercadoria, conferia estoque, compras, financeiro, fazia de tudo um pouco. Só que passou um ano e nada de ir para a produção. Então, quis sair do estágio e fiquei perdido profissionalmente. Pensei em voltar com a engenharia, comecei a distribuir currículos e, nada. Voltei e fiz vestibular para Engenharia Mecânica. Mas, era bizarro… Cálculo 3… abandonei!
Siga o cheiro do pão
Fiz então terapia, para olhar para dentro e saber quais eram as minhas habilidades. Depois trabalhei na sorveteria da minha tia e, de lá, pensei no que eu gostava de fazer. Foi quando surgiu o personal organizer. Fiz o curso e com minha namorada, hoje esposa, montei uma empresa chamada Tudo organizado. Minha mãe é consultora e atende diversas redes de supermercado e viajava muito com ela, numa época, em 2016, surgiu o Empretec (principal programa de formação de empreendedores no mundo, um seminário intensivo criado pela Organização das Nações Unidas, ONU, promovido em 40 países e que no Brasil é exclusivo do Sebrae), minha psicóloga me falou e eu fui fazer. E foi ótimo, aprendi muita coisa.
No penúltimo dia de curso, fui a uma padaria concorrente da do meu avô e lá senti um cheiro de pão. Passou um filme na minha cabeça. Eu sempre fui fascinado por saber porque um azeite custa 20,00 reais e outro 100,00, então falei com um professor meu, Fred Gurgel. Disse a ele que estava perdido, falei de minhas dúvidas e ele disse: “Siga o cheiro do pão”. Achei que ele estava louco; e minha mãe, sabendo de minha conversa com ele, me perguntou se eu queria fazer um curso de padeiro.
Shimura, com quem eu faria o curso, era amigo dela. Mas aí ela falou: “Antes de a gente investir, você vai passar uma semana na padaria de um amigo meu, no interior (do Ceará), em Russas”. Fui e fiquei uma semana. Enquanto na padaria do meu avô ele nunca tinha me levado para a produção, nessa padaria tive acesso a tudo.
E então, em janeiro de 2017, fui para São Paulo, para fazer o curso do Shimura, e lá aprendi sobre Física, Química, pH, era fascinante. Cansativo, mas, muito bom. Eu queria algo que me completasse.
Na terceira semana de aula de confeitaria, o caramelo pulou da panela e grudou na minha mão esquerda, e a minha primeira iniciativa foi arrancar o caramelo com a outra mão. Senti uma dor terrível, perdi a mobilidade do dedo. Uma amiga me levou ao hospital, depois do atendimento, ela queria me levar para casa. Mas, eu ainda tinha aula com Shimura e pedi para ela me levar para lá. Após o curso, voltei para Fortaleza, para tratar do dedo. Fiz tratamento com medicamento importado dos EUA e comecei a estudar em casa, a “comer livros”. Até que chegou uma época, onde estava fazendo fisioterapia e peguei a batedeira de minha mãe. No Shimura, tive acesso à fermentação natural e disse para mim mesmo: “Cara, o caminho é aqui. É trabalhar com química”. Para mim, nada mais fazia sentido. Então comecei a fazer pão e a postar no Instagram. Comecei a ser chamado de padeiro. Mas eu tinha vergonha, medo e uma autocobrança enorme. Fiz pão e vendi. Nessa época, morava em um prédio e as pessoas gostavam do meu pão. Os vizinhos no elevador elogiavam e perguntavam: “Você é o menino do pão?”.
E então meu avô me chamou para ir à França e ficamos 15 dias lá.
Lá, visitei o INBP (Institut National de Boulangerie et Patisserie) e tracei a meta de ir estudar lá. De volta ao Brasil, me matriculei na Aliança Francesa e, durante o curso, fiz pão, levei para a turma, outras encomendas surgiram; fui estudando e continuava com a meta de voltar para França. Abri uma encomenda de pão com uma geladeira em casa, fui estudando francês e depois fui para São Paulo, estudar com os franceses e fui me apaixonando. Foi então que meu avô me perguntou se eu não queria ir à padaria dele implementar os processos de fermentação natural que eu estava aprendendo.
Comecei a enviar currículos. Eu não tinha prática e queria saber como era na vida real. Fiz curso com o Richard Bakery (Americana – SP) e ele me chamou para ser sócio dele. Fiquei lá um tempo – na época eu não queria morar em Fortaleza –, mas um dia comecei a pensar que eu morava no paraíso (Fortaleza) e não sabia. Então, saí de São Paulo e voltei para Fortaleza.
Por onde você andar, faça amizades
Meu avô sempre dizia: “Por onde você andar, faça amizades”. Comecei a ir atrás de orçamentos de máquinas. Conheci o Márcio, da Ramalhos, e o Rui, da Ferneto. O Rui me perguntava sobre os meus planos, ele era meio que um mentor meu. Falava pouco, mas com muita sabedoria.
Eu queria ter um negócio, tipo o do Richard (Bakery). Então, minha avó paterna, médica, que tem uma casa grande aqui no Ceará, me atendeu. Eu pedi a ela uma parte da casa, para tocar meu negócio. E ela me deu mais que uma parte e Deus foi abrindo as portas. Em 2019, vieram as obras na casa e abrimos para o público em julho de 2020, em meio a pandemia.
Eu fazia tudo só. Não tinha computador, não tinha nada. As coisas foram crescendo, melhorando. Chegou um estagiário, um forno, mais equipamentos e hoje somos quatro pessoas na equipe.
A força do propósito
Acredito muito na força do propósito, sabe? Nada que faço na minha vida, eu faço por fazer. Tem que ser com excelência, tem que ser bem feito, tem que ser divertido, tem que ser prazeroso, porque senão, não funciona. E tudo que eu faço, procuro um porquê do que estou fazendo.
Bom, mas por que acordo todos os dias as cinco da manhã, quatro e meia da manhã? Teve época aqui na padaria em que eu acordava às três da manhã e ia até às oito, nove da noite, não tinha uma hora (para finalizar o trabalho). Hoje as coisas estão melhores, eu levanto cinco, cinco e meia, calmo, no meu ritmo, tem gente para delegar. Ainda é difícil, mas já foi muito mais difícil e você não pode desistir. Entende? Então, acho que é o que mantém você vivo – porque as dificuldades vão vir, desafios, momentos que não são tão legais também virão e o que faz você manter a chama acesa, se manter de pé… é você nunca esquecer o porquê daquilo que você faz, o propósito, onde é que você está indo, qual é a diferença que você quer fazer no mundo, por que você faz o que você faz? Entendeu?
Você faz pão só por fazer pão? Vai fazer pão porque é legal? Vai fazer pão porque é bonito? Por que tá na moda? Por que é tendência? Por que o mercado…? Cara, isso não se sustenta. No dia ruim, no dia difícil, isso não se sustenta. Acredito numa frase de Viktor Frankl: “quem tem um porquê suporta qualquer como”. Quando estava lá na engenharia, o primeiro sinal que vi que não era para fazer aquilo era quando tocava o despertador cedo e tinha vontade de jogar o telefone na parede, não queria me levantar. Aí eu disse: “Cara, por que é que eu tô me levantando para fazer isso?”. E hoje, muitas vezes, eu vou dormir tarde – agora mesmo estou trabalhando, fazendo um extra porque a gente teve uma encomenda no meio da semana e eu estou tendo que laminar croissant agora, para a gente ter produto para o fim de semana. Então estou aqui, às dez da noite, laminando massa, e amanhã acordar cedo. Mas para mim está tudo bem, eu estou cansado, mas estou bem, mentalmente falando. Estou tranquilo.
É muito ruim quando você faz isso, obrigado, forçado, com um peso, sabe? Então, nessa época da engenharia, eu acordava com raiva e vi que aquilo não estava me fazendo bem. Não era aquilo, não estava certo. E hoje não. Eu acordo, sabendo… eu sempre falo que o propósito, a razão de existir a Cheiro do Pão é servir e encantar pessoas por meio do pão. Meu negócio não é pão – a gente faz pão, a gente faz croissant, mas o nosso negócio é com gente! As pessoas gostam de receber um abraço, de receber atenção e a gente conversa e sempre estabelece muito diálogo. Eu sempre quis que a padaria fosse um terceiro lugar. Se a pessoa não está em casa, não está no trabalho, a padaria tem que ser o outro ponto dela. Um lugar bacana, que a pessoa chega e vê a produção da gente, conversa com o padeiro. Sei o nome dos filhos dos clientes, se tem gato, se tem cachorro, se tem papagaio. Tem clientes, vários deles, que viram amigos, acabam até compartilhando problemas pessoais, enfim, a gente cria vínculos.
Servir sempre, fazer a diferença na vida do outro
Eu sempre procurei servir, fazer a diferença na vida do outro, se eu puder causar um sorris. Afinal, meu negócio não é pão.
A gente entra na casa das pessoas com o pão, a gente participa de momentos tão especiais, de ocasiões, de aniversário, de festas, enfim… de tantas coisas. Então, o pão é o canal para a gente poder de repente tocar a vida de uma pessoa. De uma pessoa que está mal e, enfim, ser gentil… acho que é o nosso papel na sociedade.
Não só de cliente, mas de fornecedor, da equipe, do pessoal que trabalha com a gente, que às vezes está com problema em casa, está num dia mal e aqui a gente acolhe todo mundo. Aqui, não tem negócio de separar a vida pessoal da vida profissional. Não! Aqui a gente começa o dia junto, toma café junto, chora junto, ri junto, ora junto, nós estamos unidos. E eu levo isso para mim. Esses dias, essa semana, tive um dia estressante, que cheguei na padaria de manhã, estava chateado, estava cansado e, quando cheguei aqui, o clima, a cultura que a gente constrói, me colocou para cima e eu já recebi testemunho dos meninos que trabalham com a gente, dos padeiros: “Cara, às vezes você está num dia mal, acorda azedo, enfim… tá com problema em casa, sei lá, mas quando chega aqui, é tão bom que o tempo passa e a gente não vê, é divertido”. Então, assim, eu acho isso sensacional, eu sinto o dever cumprido.
Acredite no sonho
É isso que me motiva a acordar. Então, acho que a frase é que você tenha um porquê, sabe? Que você tenha um propósito, que você entenda a razão daquilo que você está fazendo, acredite no sonho. É possível. Se esforce, faça sua parte, que para Deus nada é impossível. Creio muito nisso!
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