Na primeira parte desta série realizada pela Puratos , acompanhamos Johannes Roos e o fermento Vitus em sua chegada ao Brasil, explorando como água de coco e pequi transformaram o levain em expressão cultural. Agora, seguimos viagem para duas paradas emblemáticas: Pernambuco e Foz do Iguaçu.
Se o Sourdough 2.0 é sobre unir técnica e território, essas duas etapas mostram como ingredientes locais podem recriar narrativas sensoriais únicas: da doçura histórica do caldo de cana à frescura herbal do tereré.
Pernambuco: caldo de cana e pasta de caju na cachaça
Ao chegar em Igarassu, Johannes foi recebido pelo padeiro Gúgel, que apresentou o caldo de cana como verdadeiro símbolo da região. Mais do que bebida, a cana foi motor econômico e cultural de Pernambuco desde a chegada dos colonizadores portugueses.
Incorporar o caldo de cana no Vitus foi um gesto de resgate e valorização histórica. Mas o experimento não parou aí: o pão ganhou também a inclusão de pasta de caju embebida em cachaça Manjupina, típica da região.
- Como aplicar: substitua 10–20% da água do levain por caldo de cana fresco.
- Atenção: por ser açucarado, o caldo encurta a fermentação → monitore bulk e prova.
- Inclusão extra: use pasta de caju embebida em cachaça (8–12% sobre o peso da farinha).
- Resultado sensorial: pão perfumado, com notas de caramelo, maltado, leve dulçor equilibrado por um amargor composto.
O resultado foi descrito como único, perfumadíssimo e crocante, comprovando como o Sourdough 2.0 não se limita a técnica, mas também a memória gustativa.
Foz do Iguaçu: o frescor do tereré na cuca
Do litoral nordestino seguimos para a tríplice fronteira. Em Foz do Iguaçu, Johannes se encontrou com Alessandro, que apresentou uma bebida típica da região: o tereré, infusão fria de erva-mate, hortelã e, por vezes, boldo.
O sabor amargo e herbal da bebida, combinado ao frescor, inspirou a inclusão no Vitus e em uma receita tradicional de origem alemã: a cuca.
- Como aplicar: prepare uma infusão fria de tereré e substitua 10–15% da água na massa.
- Dica sensorial: faça testes antes da inclusão final, já que o amargor varia.
- Resultado sensorial: cuca extremamente macia, leve e aromática, com frescor herbal equilibrado pelo dulçor do recheio.
A receita ganhou ainda recheio de uva, ricota com canela e cobertura farofada com banha de porco, reforçando a ligação com a tradição local.
Sourdough 2.0 em ação: Pernambuco + Paraná
Essas duas experiências reforçam o princípio da fermentação cruzada: usar ingredientes vivos, locais e cheios de identidade para transformar o pão em narrativa cultural.
- O caldo de cana trouxe história, dulçor natural e crocância.
- O tereré trouxe frescor herbal, leveza e memória afetiva.
- Ambos mostram que o Sourdough 2.0 é sobre criar pães que contam histórias de território e identidade.
Guia prático para aplicar fermentações cruzadas
Quer experimentar no seu laboratório ou padaria? Aqui vai um resumo:
- Comece pequeno: substitua de 5–15% da água por caldo de cana, infusões ou mostos.
- Monitore o tempo: ingredientes açucarados aceleram o processo.
- Controle o sensorial: faça testes prévios para ajustar amargor (caso do tereré).
- Inclua com identidade: frutas, raízes ou pastas regionais trazem mais narrativa ao pão.
- Documente tudo: temperatura, tempo, aroma, textura e pH, se possível.
Muito além do sabor
Assim como no Rio e em Goiás, Pernambuco e Paraná mostram que o pão é mais do que técnica. Ele pode ser história, território e identidade traduzidos em miolo e crosta.
- Em Pernambuco, o pão contou a história da cana-de-açúcar e do caju.
- Em Foz, a cuca com tereré trouxe memória de verão e frescor herbal.
O Sourdough 2.0, ao integrar ingredientes locais, valoriza cultura e amplia possibilidades sensoriais.
FAQ — Fermentação cruzada (SEO)
Posso usar caldo de cana no levain?
Sim. Substitua até 20% da água por caldo fresco, mas monitore o tempo de fermentação, já que os açúcares aceleram o processo.
O que é fermentação cruzada no pão?
É a prática de incluir ingredientes já fermentados ou ricos em microbiota/açúcares (como caldo de cana, uva ou pequi) no levain, criando interações microbianas únicas.
O tereré não deixa o pão amargo demais?
Depende da proporção. Use infusão fria e adicione 10–15% do líquido total. Faça testes sensoriais para ajustar.
Essas técnicas funcionam em padarias profissionais?
Sim, desde que haja padronização de insumos (ex.: caldo filtrado, infusão coada) e documentação de processo (pH, tempo, temperatura).
Por que o Sourdough 2.0 é importante?
Porque une técnica de fermentação natural com ingredientes locais, criando pães mais saborosos, digestíveis e com identidade cultural.