A massa madre está presente em praticamente todas as padarias que visitei na Itália e na França. Mas o que mais me impressionou nessa viagem foi perceber que, mesmo usando o mesmo princípio, a massa madre viva, cada cultura desenvolveu seu próprio jeito de cuidar, aplicar e contar histórias através dela.
Foram muitos aprendizados que, com as devidas adaptações, podem inspirar a panificação brasileira a explorar novas possibilidades. Aqui compartilho alguns dos que mais me marcaram.
1. Na França: tradição, leveza e sutileza
O pão francês vai além da baguette e isso ficou ainda mais claro para mim nas boulangeries que visitamos. Muitos estabelecimentos produzem o que eles chamam de baguette tradition, feita com fermentação natural, farinha local e longos tempos de descanso.
Além disso, vi uma presença forte da massa madre em produtos menos óbvios, como brioche, pain de mie, pães de campanha. Isso mostra que esse tipo de fermentação não precisa ser exclusiva dos pães rústicos, ela pode trazer complexidade e digestibilidade também a produtos mais delicados.
Outro ponto forte é a valorização do processo: o tempo de fermentação é respeitado como um ingrediente fundamental. É comum ver descrições como “fermentado por 18 horas” nas etiquetas, o que cria um diferencial técnico e comercial.
2. Na Itália: rusticidade, potência e regionalidade com a pasta madre
Na Itália, a fermentação natural aparece de forma diferente: a massa madre é mais densa, com menos hidratação e, muitas vezes, mantida sob métodos tradicionais (como em pano ou em água). Ela é base para pães com casca mais firme e interior denso, mas também para produtos surpreendentes como focaccias recheadas, colombas pascais e panettones artesanais.
Um ponto marcante foi observar como cada região tem sua própria identidade e como a fermentação se adapta a isso. Em Bérgamo, por exemplo, vi panetterias que equilibram pães rústicos de fermentação longa com versões modernas, recheadas ou com coberturas criativas.
3. Diferenças e semelhanças: um ingrediente, múltiplos caminhos
Ambas as culturas entendem que a fermentação vai além da técnica, ela é um símbolo de cuidado, identidade e autenticidade. As diferenças aparecem no formato do fermento (líquido ou firme), na hidratação da massa, no tempo de fermentação e até na temperatura ambiente.
Mas há algo em comum: o compromisso com o sabor. Cada padeiro que entrevistei reforçava como o levain ou a massa madre são ferramentas para extrair o melhor da farinha e não apenas para “seguir uma tendência”.
4. Inspiração para o Brasil: como aplicar esses aprendizados
A panificação brasileira tem se aprofundado cada vez mais na fermentação por massa madre, mas ainda há muito espaço para inovação.
Algumas ideias que podem ser testadas:
- Aplicar massa madre viva em brioches ou pães de forma, explorando texturas mais leves.
- Trabalhar focaccias com recheios mais sofisticados.
- Valorizar o tempo como diferencial: informar ao cliente quanto tempo aquele pão foi fermentado.
- Adaptar métodos europeus ao nosso clima e às farinhas nacionais, com o suporte técnico adequado.
Massa madre é cultura viva
A massa madre é mais do que uma técnica. É uma forma de contar histórias com sabor e textura e o que vi na Europa me confirmou que, quando bem utilizada, ela pode transformar tanto o produto quanto a percepção do cliente.
Já pensou em usar fermentação natural em produtos além do pão rústico? A inovação pode estar mais próxima do que você imagina.