O começo: quando o pão vira escolha de vida
Cláudia sempre cozinhou. Aos 13, pediu uma batedeira no Natal; décadas depois, o chamado ficou mais alto. Executiva do mercado de comunicação, decidiu, aos 55, fazer o curso de Cozinheiro Chef Internacional (Senac). Nos módulos de panificação e confeitaria, veio a epifania: “eu consigo fazer pão”. O primeiro pão de panela (sem sova) funcionou — e abriu um caminho.
Vieram estágios, cursos e uma trilha de formação séria: The Lenôtre (Paris), San Francisco Baking Institute com Didier Rosada, e referências teóricas contemporâneas (como o trabalho de Thomas Teffri-Chambelland, da École Internationale de Boulangerie). Do estudo nasceu a convicção: o pão de fermentação natural é ciência aplicada — leveduras, bactérias, pH, temperatura da água, escolha de farinha e método como decisões conscientes.
Do apartamento ao lastro: o forno que coube na vida
O crescimento começou caseiro: encomendas para amigos, depois feiras (a experiência como “feirante do pão” no Centro Empresarial do Itaú amadureceu atendimento e narrativa). Nessa fase, um forno de lastro Ramalhos de uma assadeira operava dentro do apartamento — a prova de que escala e método podem nascer do pequeno.
A visibilidade chegou com a capa “nova fornada de padeiros” (Revista Veja, 2019). A demanda explodiu; o síndico reclamou do cheiro e do entra-e-sai dos motoboys. Era a hora do próximo passo.
Zestzing Padaria Artesanal: transparência como conceito
A escolha do ponto foi cuidadosa. Em 2020, em plena pandemia, a reforma transformou uma antiga loja em galpão clean com produção à vista, tijolinhos, luz pensada e — sobretudo — fornos na frente do cliente. O resultado sensorial é parte do produto: ver o pão entrar e sair do forno, ouvir a casca estalar, sentir o aroma na rua.
Mesmo no contexto do “grab and go” original, a Zestzing dialoga com o hábito paulistano (pressão por café e serviço). A resposta é evolutiva: sem trair o DNA, mas ouvindo o público para possíveis expansões.
Técnica que vira identidade (e fila)
O portfólio cresceu sobre bases sólidas: sourdough, baguete, folhados (multiplicando variações a partir da massa de croissant). Cláudia valoriza adaptação ao paladar brasileiro: menos acético que o padrão californiano, casca mais caramelizada — sem abrir mão de método.
A casa foi eleita várias vezes entre as melhores padarias; com prêmios, vêm as filas.
Farinha, terroir e escolhas que importam
O episódio traz uma aula enxuta sobre farinha e estilo: países com grãos mais fortes (EUA/Canadá) favorecem pães grandões e muito alveolados; farinhas francesas mais extensíveis brilham na baguete; italianas sustentam pizza e panetone. No Brasil, moinhos vêm evoluindo blends para a panificação artesanal, puxados pela demanda das novas padarias.
A lógica de Cláudia é prática e replicável: defina o pão e busque a farinha que o viabiliza — ou, se a farinha vier antes (parcerias com moinhos), descubra o melhor produto que ela consegue ser. Técnica a serviço da identidade.
O boom do pão (e o papel das artesanais)
O pão francês segue soberano no cotidiano, mas o artesanal elevou a régua do consumidor brasileiro. Mesmo a indústria já revisita processos e rótulos; franquias popularizam a conversa sobre fermentação. “Mente expandida não volta ao estado original”: depois de provar um bom sourdough ou um croissant com manteiga, o cliente passa a desejar experiências melhores.
Para quem quer empreender: realismo, estudo e propósito
Cláudia não romantiza: panificação é fisicamente exigente e empreender no Brasil cobra planejamento. O conselho é claro:
- Estude. Muito. (técnica, teoria, controle de variáveis)
- Treine e teste.
- Planeje. Conheça público, ponto, limites de produção e frio.
- Visite padarias. Observe fluxos, vitrine, produtos, ritmo.
- Defina seu DNA. E comunique com coerência.
Zestzing hoje
Com cinco anos de portas abertas, a Zestzing opera com equipe robusta e produção consciente. Fica na Alameda Tietê, 496 — Jardins (SP), abrindo de terça a sábado.
Assista/Ouça o episódio completo
Quer se aprofundar na história, nas escolhas de farinha, nas dicas de produção e no conceitos?
👉 Massa Madre Talks #10 — Cláudia Rezende (Zestzing), disponível no YouTube e Spotify.