Opinião
O Sonho do Panettone por Frederico Tomé
Home > Opinião > O Sonho do Panettone por Frederico Tomé
A lembrança mais remota que tenho do pão é com minha avó. Fazíamos pão em casa; eu tinha seis anos de idade e ajudava a ela.
Minha avó sempre dizia que meus pães ficavam melhores que os dela. Um dia descobri o porquê. Ela, que já era uma senhorinha, não sovava a massa da mesma forma que eu, um garoto. E foi assim que eu iniciava, já naquela época, a mexer com panificação, mesmo sem saber.
Mas fazer o pão com minha avó era algo caseiro, pois em minha família não havia histórico em mexer com pão, em termos de trabalho, emprego. Todos sempre foram envolvidos com carne, churrasco, e eu — que me formei em Fisioterapia —, digo que faço massoterapia em pães.
Foi em 2006 que tudo começou exatamente — se é que podemos delimitar de fato um período de início. Eu tinha um estabelecimento parado e, na minha cidade, Angatuba, interior de São Paulo com 23.000 habitantes, não havia bons pães franceses. Então, pensei em investir em pães.
Já formado e com esse projeto, as pessoas do meu entorno consideravam que eu estava regredindo. Mas fui adiante. Comprei material, fiz alguns testes e fui buscando assimilar o que eu tinha visto na faculdade de Fisioterapia com a panificação, pois o Brasil é carente de material teórico nesta área.
Em 2009/2010 me deparei com a fermentação natural e lá se vão 15 anos tendo o melhor pão da cidade, segundo pesquisas anuais realizadas por empresas especializadas.
Em 2010 a fermentação natural começou a chamar a atenção e eu fui fazendo alguns testes. Quatro anos depois veio o divisor de águas na minha vida: fui convidado por uma empresa italiana, localizada no Brasil, para trabalhar. Eu ensinava as pessoas a utilizarem as máquinas da empresa — uma experiência que foi de 2014 a 2016 e que enriqueceu muito a minha vivência, embora tenha sido muito questionado pelo fato de ser dono de padaria e trabalhar para os outros.
Um dia, depois de comer um panetone italiano, comecei a buscar técnicas para fazer o meu próprio panetone.
Em 2016 conheci o Francesco Paolo Lo Schiavo — o Paolo, um italiano, dono da Di Cunto, doceria de São Paulo localizada no bairro da Mooca. A mais famosa doceria de São Paulo, a qual Paolo adquiriu 70 por cento somente quatro anos atrás, comprando a casa fundada em 1935 e inaugurada por quatro imigrantes. Em 2015 já havia conhecido a famosa loja para confeitaria; eu sabia um pouco da história dos melhores da Itália.
Eu e o Paolo tínhamos o mesmo sonho. Ele queria enaltecer e valorizar o panetone; eu queria fazer e valorizar o panetone.
Já haviam concursos no período, que saiam no Estadão, na Época, mas era 2018 e a gente queria ganhar o mundo.
Um dia um amigo me liga, era março, e me fala de um campeonato de panetone que aconteceria em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul. Participei do concurso e fui eleito o melhor em panetone. Após este momento no Brasil, a disputa seria na Itália. Mas veio a pandemia, o concurso foi adiado e junto perdi meu grande amigo, incentivador, que me ensinou muitas coisas, o Paolo. Eu, que adorava trabalhar na Di Cunto, pedi afastamento, pois estar lá era lembrar dele, em tudo. Porém continuei trabalhando no meu negócio, pois o pão é minha paixão. Noventa por cento do meu dia é trabalhando com pão.
Minha vida se mistura com pão e pizza. Tenho o título de Pinsa Romana — uma massa com fermentação longa, composta por soja, arroz e trigo. Uma massa leve, com menos carboidrato e mais digestiva também; sempre fui autodidata e fiz alguns cursos presenciais de panificação, mas não tenho cursos acadêmicos de fermentação.
Tenho conhecimento empírico e experiência de vida, a qual também adquiri com Paolo. Inclusive, como forma de homenagem, quero colocar o nome dele na minha dolma, porque ele me trouxe muita sabedoria e conhecimento, abriu as portas da doceria dele para mim, para que eu fosse consultor. Paolo estará sempre comigo. Dia desses fiz uma fornada e, sozinho, pensei na presença dele, de como seria bom se, fisicamente, ele estivesse ali.
As coisas foram acontecendo na minha vida. Em 2016 entrei para o corpo técnico do Le5stagioni, fui ser jurado. Mas também competi em outros momentos. A empresa em que trabalhava chegou a me questionar na ocasião: “— Como um padeiro consagrado vai se meter em concurso para pizzaiolo?! E se você não se classificar, perder?!”
Mas eu fui. E fiquei em segundo lugar entre 100 concorrentes. Após a vitória criei o ditado “Se não der pão, vira pizza”, frase que coloquei na sinalização do evento.
Agora, participarei de outro concurso, serei o único a representar o Brasil no exterior.
A competição funciona assim: a avaliação é feita às cegas na fase de pré-classificação. Até 15 de outubro deste ano (2021) preciso enviar meu panetone. O concurso vai ser em Parma, na sede da escola L´Accademia MLM e del Panettone, na Itália, quando quatro exemplares de cada concorrente vão disputar. Ao todo 30 italianos e outros cinco ao redor do mundo, totalizando 35 participantes, vão estar no pleito. Terei a honra de representar o país na semifinal e, quem sabe, na grande final, em 24 de outubro.
Enviarei o panetone pelos Correios e um amigo da Itália vai recebê-lo, conferi-lo e entregá-lo para disputa. Comprei todo o material para produzi-lo e estou investindo na embalagem, para que mesmo com o transporte meu panetone possa chegar à Itália o mais próximo possível do que enviei.
Estou ansioso para este concurso e lamentando muito o fato de não poder estar lá presencialmente, pois devido à quarentena da Covid-19, as fronteiras da Itália estão fechadas para o Brasil. Tenho feito testes e treinamentos enquanto isso, pois panetone é um pão mais complicado. São 72h para ficar no ponto de embalagem; se a temperatura tiver dois graus a menos ou a mais do indicado ou havendo diferença na matéria-prima, já é o suficiente para destruir a massa.
Depois de pronto, são mais quatro dias para comer. Mas panetone é minha paixão. Minha receita leva ingredientes comuns, como gema, farinha, manteiga, essência… não são os ingredientes que mudam, mas a forma de você colocar os ingredientes que vai mudar o seu panetone, que vai fazer a diferença.
No dia a dia minha padaria tem como carro chefe o pão francês. E, além deste, vendemos também pão doce, panetone simples e alguns panetones de 1 quilo, da receita que fez parte do campeonato mundial World Championship, etapa brasileira, que disputei.
E continuo investindo em ministrar consultorias, treinamentos, cursos. O próximo será em Campo Bom, Rio Grande do Sul, em parceria com a Ramalhos Brasil, e deve ocorrer entre os dias 16 e 19 de novembro deste ano (2021).
Quando me perguntam o que falta no país, quanto à panificação, digo que no Brasil falta incentivo governamental. As taxas alfandegárias são altas; é impossível trazer máquinas boas para o Brasil, justamente por isso.
Temos um aumento de escolas, de cursos direcionados, mas ainda não podemos dizer que temos uma panificação brasileira. Falta assumirmos a nossa identidade, para que enfim possamos ter o reconhecimento de que o Brasil desenvolve panetones tão bons quanto os de fora.
Mesmo assim, com essas dificuldades, para quem quer seguir no ramo, penso que o segredo é: Nunca ache que está bom, pois sempre é possível achar algo novo. Conhecimento não é para ser escondido e, sim, difundido.
Este é meu pensamento, este sou eu. Uma pessoa simples, que gosta de viver os momentos. Penso que um homem tem que deixar na vida a sua marca. E a minha marca eu tento deixar com pão e cursos. Sou um maestro panificador, padeiro em formação e aspirante a pizzaiolo. Mas ainda trabalho com carne, pois antes do pão fui açougueiro. Por isso mesmo, no meu uniforme de trabalho, mantenho “bakery, grill e pizza”. Mas quanto à carne, hoje trabalho somente com assessoria, para restaurantes, hamburguerias, etc.
Já na minha padaria, hoje, emprego vinte pessoas. O mais antigo dos funcionários é Diego, que tem 14 anos comigo. Quando iniciei era somente eu e mais uma funcionária.
Para os planos futuros estou elaborando um curso de panetone presencial, pois o produto é muito feeling, sentimento mesmo. Este curso será para seis capitais do país.
Um outro projeto que estou fomentando são centros técnicos para os cursos. Não existe um equipamento próprio para a confecção do panetone no Brasil, fazemos adaptações. Enquanto na Itália eles andam de Ferrari, estamos com um fusca adaptado. Na Itália há muito mais técnica e se desenvolve mais insumos.
Trabalhando com pão, o que mais consegui realizar com esse sonho foi um produto italiano, usando farinhas numa massa madre com trigo, soja e arroz mais resistente, com força de 410 watts e com período de 72 horas ou mais de fermentação, finalizando um produto mais natural e saboroso.
No futuro quero colocar mais know-how na panificação, criar uma linha de cursos.
Com minha empresa, a Padaria e Confeitaria Tomé, que tenho desde 2016, consegui o melhor tipo de trigo; fiz cursos e produzi não só uma linha de panetones, mas de produtos de panificação de primeira linha, usando a fermentação de lievito madre, natural e diferente dos panetones industriais. Quero fazer igual ou melhor que os panetones italianos.
Uma mensagem final, que poderia deixar, seria para Paolo — meu grande incentivador e amigo: O sonho de dois homens e nossa amizade nos incentivou a fazer todo esse nome. Queria muito que ele estivesse vivo, junto com esta vitória.
AVISO LEGAL | DISCLAIMER Todas as OPINIÕES não expressam particularmente a opinião do MMB e/ou empresas associadas, mas tão somente de quem as escreveu/emitiu. Para maiores informações, consulte também Termos de Uso do MMB.
receita pronta?
Publique em suas redes sociais e marca a gente: #massamadreblog